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Dentro de uma casa simples e decadente, com as dívidas se acumulando dia após dia, o marido insiste em organizar uma festa de aniversário luxuosa apenas para se exibir. A esposa tenta de todas as formas convencê-lo a desistir, mas, tomado pelo orgulho, ele acaba pegando dinheiro emprestado e monta uma comemoração grandiosa. No momento em que todos estão aproveitando a comida e a festa parece no auge, algo terrível acontece, fazendo com que as pessoas entrem em pânico e fujam desesperadas…

CAPÍTULO 1 – A NOITE QUE COMEÇOU PELO FIM


O som do samba parou como se alguém tivesse arrancado o coração da festa com as próprias mãos.

As luzes coloridas ainda piscavam no quintal apertado, refletindo nas paredes descascadas da casa, mas ninguém mais dançava. Copos tremiam nas mãos dos convidados. O cheiro de carne assada misturava-se a um silêncio pesado, quase sufocante.

Três caminhonetes estavam paradas diante do portão enferrujado.

Ana sentiu o estômago se fechar.

— Carlos… — sussurrou, quase sem voz.

Ele estava no centro do quintal, camisa branca impecável, um sorriso congelado no rosto. O copo de caipirinha escorregou lentamente de sua mão e se espatifou no chão.

João desceu da caminhonete com calma excessiva. Usava uma camisa simples, mangas dobradas, olhar firme. Não levantou a voz.

— Boa noite, Carlos. Festa bonita — disse, observando a mesa farta. — Pena que hoje é dia de acerto.

Um murmurinho percorreu os convidados. Alguns já recuavam, outros fingiam procurar algo no celular. Ninguém queria estar ali.

— João, depois a gente conversa — respondeu Carlos, tentando rir. — Hoje é meu aniversário. Vamos manter o clima leve.

João sorriu de canto.

— Clima leve não paga dívida.

Um dos homens que o acompanhava empurrou a mesa. Pratos deslizaram, carne caiu no chão, vinho se espalhou como sangue escuro sobre o cimento. Alguém gritou.

Foi o caos.

Crianças choraram. Mulheres puxaram os maridos pelos braços. A banda recolheu os instrumentos às pressas. Em segundos, a festa virou uma fuga desordenada.

Ana ficou parada, sentindo o mundo desmoronar. O som distante de uma cuíca ainda ecoava em sua cabeça quando as luzes se apagaram de vez.

Horas antes, naquela mesma casa, tudo parecia apenas mais uma decisão errada prestes a acontecer.

Pela manhã, Ana costurava seu vestido gasto na pequena cozinha. O rádio tocava uma notícia qualquer sobre o trânsito no centro do Rio. Carlos entrou animado, falando alto demais.

— Hoje vai ser inesquecível, Ana! Você vai ver.

Ela levantou os olhos, cansada.

— Inesquecível pode ser bom ou ruim — respondeu. — Carlos, por favor… a gente não tem dinheiro nem pra pagar a conta de luz.

Ele se aproximou, segurou o rosto dela com carinho forçado.

— Você não entende. Se eu não fizer essa festa, acabou. Ninguém respeita homem quebrado nesse país.

— E quem vai respeitar quando baterem na nossa porta? — retrucou ela, com os olhos marejados.

Carlos se afastou, irritado.

— Já resolvi tudo. Confia em mim.

Ana sabia que isso significava mais uma dívida.

Enquanto os convidados chegavam à noite, ela sentia cada riso como um prego sendo cravado no futuro deles. E quando João apareceu, Ana teve certeza: aquela festa não celebrava um aniversário. Celebrava o último ato de uma mentira.

CAPÍTULO 2 – ENTRE O ORGULHO E O MEDO


O quintal vazio parecia maior sem as pessoas. A sujeira espalhada no chão era a única prova de que ali houvera alegria.

João sentou-se à mesa quebrada, cruzou os braços.

— Vamos conversar como adultos — disse.

Carlos respirava rápido. Sentia o peso de todos os erros se acumulando no peito.

— Eu só preciso de mais tempo — falou. — As coisas vão melhorar.

— Você disse isso no mês passado — respondeu João, sem agressividade, mas sem paciência. — E no outro também.

Ana observava em silêncio. Cada palavra era um golpe invisível.

— O que você quer? — perguntou ela, finalmente.

João a olhou com certo respeito.

— Quero resolver. Não gosto de confusão. Mas dívida é dívida.

Carlos passou a mão pelos cabelos.

— Não tenho esse dinheiro agora.

João suspirou.

— Então vamos fazer do jeito possível.

No dia seguinte, o sol nasceu impiedoso. Crianças brincavam na rua, vendedores ambulantes gritavam ofertas. A vida seguia.

Carlos assinou papéis com mãos trêmulas. A casa, o pouco que tinham, não era mais deles.

Quando João foi embora, o silêncio ficou.

— Você conseguiu o que queria — disse Ana, sem levantar a voz. — Uma festa que ninguém vai esquecer.

Carlos não respondeu. Pela primeira vez, não tinha argumento.

Ele se lembrava do homem que fora, dos sonhos de sucesso, do respeito que achava merecer. Percebeu tarde demais que confundira dignidade com aparência.

— Eu só queria que você se orgulhasse de mim — murmurou.

Ana respirou fundo.

— Eu só queria um marido presente, não um espetáculo.

Eles passaram o dia arrumando o que restava. Cada objeto colocado na mala era uma memória abandonada.

Carlos sentiu vergonha ao encarar os vizinhos. Alguns olhavam com pena, outros com julgamento silencioso.

À noite, sentaram-se no chão da casa vazia.

— E agora? — perguntou ele.

Ana respondeu com firmeza cansada:

— Agora a gente recomeça. Sem mentiras.

Carlos assentiu. Pela primeira vez em anos, não tentou parecer forte.

CAPÍTULO 3 – O SILÊNCIO DEPOIS DO SAMBA


O ônibus velho balançava pela estrada enquanto deixavam o bairro. Ana segurava a bolsa contra o peito. Carlos observava a cidade se afastar pela janela.

Não havia música. Não havia aplausos.

Apenas o som do motor e pensamentos pesados.

— Desculpa — disse ele, quase inaudível.

Ana fechou os olhos por um instante.

— Eu não preciso de desculpas — respondeu. — Preciso de verdade.

Carlos engoliu em seco.

— Eu tive medo de ser ninguém.

Ela o encarou.

— E acabou quase nos perdendo.

O ônibus parou. Um novo bairro, mais simples, mais distante do brilho que Carlos tanto buscara.

Eles desceram.

Enquanto caminhavam, Carlos viu crianças jogando bola em um campo de terra, rindo sem se importar com nada além do momento.

Algo dentro dele se quebrou — e se reconstruiu.

— Talvez… talvez seja isso — disse. — Começar pequeno.

Ana segurou sua mão.

— Começar honesto.

Ao longe, um rádio tocava samba baixo, como uma lembrança distante. Não havia luzes, nem festa. Mas havia algo novo: humildade.

E, pela primeira vez, Carlos sentiu que talvez ainda houvesse tempo para ser alguém de verdade — não aos olhos dos outros, mas aos seus próprios.

‼️‼️‼️Nota final para o leitor: Esta história é inteiramente híbrida e ficcional. Qualquer semelhança com pessoas, eventos ou instituições reais é mera coincidência e não deve ser interpretada como fato jornalístico.

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