CAPÍTULO 1 – O DIA EM QUE FUI EXPULSA
O sol da tarde caía pesado sobre Copacabana, refletindo nos prédios antigos pintados em tons pastel. Do outro lado da rua, o Hotel Santa Luzia permanecia imóvel, com suas janelas estreitas e cortinas desbotadas, como um velho que já viu demais e decidiu guardar silêncio. Eu não sabia ainda, mas naquele dia ele voltaria a ser parte da minha história.
— A senhora não percebe que está passando dos limites? — a voz de Luciana cortou o ar da sala como uma lâmina.
Eu estava em pé, perto do sofá, segurando uma toalha de prato ainda úmida. Tinha acabado de ajudar a dar banho no meu neto. Minhas mãos tremiam, mas não era de cansaço.
— Eu só disse que a criança estava com febre… — respondi, tentando manter a calma. — Aqui no calor do Rio isso não é brincadeira.
Luciana cruzou os braços. Os olhos escuros, sempre tão orgulhosos, estavam cheios de irritação.
— Essa é a minha casa, dona Maria. Quem decide sou eu e o Rafael.
O nome do meu filho ecoou dentro de mim como um pedido de socorro silencioso. Olhei para ele. Rafael estava encostado na parede, evitando meu olhar. Meu coração apertou.
— Rafael… — chamei baixo. — Eu só quero ajudar.
Ele respirou fundo, como se estivesse se preparando para algo difícil.
— Mãe… a Luciana tem razão. Desde que a senhora veio morar aqui, tudo vira discussão.
Senti como se o chão tivesse cedido sob meus pés.
— Eu vim pra cuidar do seu filho… do meu neto — disse, com a voz falhando. — Depois que o pai dele morreu, fui só eu e você, lembra?
Luciana soltou uma risada curta, sem humor.
— Sempre essa história. O passado, a Bahia, o sacrifício… Já deu.
Rafael fechou os olhos por um instante. Quando os abriu, havia uma decisão ali. Uma decisão que não incluía a mim.
— Mãe, é melhor a senhora ir embora.
— O quê?
— Essa é a minha casa. Minha e da Luciana.
As palavras vieram firmes, apesar do leve tremor na voz. Peguei minha bolsa, depois a velha mala que sempre ficava no canto do quarto. Cada passo até a porta parecia um adeus a algo que eu ainda não estava pronta para perder.
Luciana abriu a porta sem dizer nada.
Quando atravessei o corredor do prédio, o som da porta se fechando atrás de mim ecoou como um ponto final. Parei. Respirei fundo. E então olhei pela janela do corredor.
O Hotel Santa Luzia estava ali, do outro lado da rua.
Foi nesse instante que algo dentro de mim se quebrou — e, ao mesmo tempo, se fortaleceu.
Virei-me.
Abri a porta novamente.
— Rafael — disse, com uma calma que nem eu reconhecia. — Você sabe o que aconteceu naquele hotel?
Ele franziu a testa.
— Do que a senhora está falando?
Apontei para a janela.
— O seu pai não morreu num acidente.
O silêncio caiu pesado sobre a sala.
— Ele morreu no quarto 307 do Santa Luzia… com outra mulher.
Luciana empalideceu.
— Mãe, para com isso! — Rafael deu um passo para trás.
Eu sorri, sem alegria.
— E essa mulher, meu filho… era a mãe da sua esposa.
O grito de Luciana ecoou pela sala.
— Isso é mentira!
Mas o estrago já estava feito.
CAPÍTULO 2 – O QUARTO 307
Rafael caiu sentado no sofá. O rosto estava pálido, os olhos perdidos, como se tentasse acordar de um pesadelo.
— Mãe… pelo amor de Deus… explica isso direito.
Sentei-me devagar. Minhas pernas estavam fracas, mas minha voz não. Esperei quarenta anos por aquele momento.
— Eu descobri a traição do seu pai por acaso — comecei. — Uma ligação errada, um nome que não devia existir. Segui ele até o Santa Luzia.
Luciana permanecia em pé, imóvel, as mãos apertadas uma contra a outra.
— Era uma noite abafada, como hoje — continuei. — Entrei no hotel fingindo ser outra pessoa. O recepcionista me deu a chave do 307.
Engoli em seco.
— Quando abri a porta… seu pai estava caído. Ela gritava. Foi tudo muito rápido. Um mal súbito.
Rafael levou as mãos ao rosto.
— E… e por que disseram que foi acidente?
Olhei diretamente para Luciana.
— Porque a família dela não podia suportar um escândalo. Dinheiro resolve muita coisa no Brasil, meu filho. Um laudo alterado, uma história conveniente.
— Minha mãe não faria isso! — Luciana gritou, mas sua voz falhou no final.
— Ela já fez — respondi. — E você sabe.
Luciana começou a chorar, mas não era um choro de arrependimento. Era medo.
— O casamento de vocês não foi coincidência — acrescentei. — Eles sabiam quem você era, Rafael. Acharam que unir as famílias apagaria o passado.
Rafael levantou-se de repente. Cambaleou. Depois caiu de joelhos diante de mim.
— Me perdoa, mãe.
— Levanta — pedi, mas ele não conseguiu.
— Eu não sabia… eu juro… Eu nunca teria te tratado assim.
Passei a mão pelos cabelos dele, como fazia quando era criança.
— O que mais dói não é a expulsão — falei baixo. — É você ter duvidado de mim.
Luciana deu um passo à frente.
— E o que a senhora quer agora? Vingança?
Olhei para ela longamente.
— Não. Só respeito. E verdade.
O choro de Luciana cessou. Ela entendeu.
CAPÍTULO 3 – O SILÊNCIO QUE RESTOU
Uma semana depois, deixei o apartamento. Rafael insistiu em me acompanhar até a Bahia. Alugou uma casa simples perto do mar. Disse que precisava fazer algo certo, pela primeira vez em muito tempo.
— A senhora vai me ligar? — perguntou ele, no aeroporto.
— Mãe não deixa de ser mãe — respondi.
Luciana não apareceu para se despedir.
À noite, sentada na varanda, ouvindo o som das ondas, pensei no Santa Luzia. No quarto 307. Nos segredos que a cidade do Rio guarda atrás de fachadas bonitas.
O hotel continua lá. Antigo. Silencioso.
Como a verdade.
E ela sempre espera o momento certo para ser dita.
‼️‼️‼️Nota final para o leitor: Esta história é inteiramente híbrida e ficcional. Qualquer semelhança com pessoas, eventos ou instituições reais é mera coincidência e não deve ser interpretada como fato jornalístico.
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